Existe uma dor que muitos carregam em silêncio. Uma dor que não aparece nos exames, que não sangra nem deixa marcas visíveis, mas que grita por dentro. E, para escapar desse sofrimento, muita gente acaba encontrando uma saída, ou melhor, uma fuga. Às vezes em drogas. Outras vezes em compras, em trabalho excessivo, no consumo desenfreado, em poder. A forma muda, mas a busca é a mesma: parar de sentir.
Pessoas que enfrentam o vício não são fracas. São, muitas vezes, sobreviventes. Sobreviventes de uma vida que lhes arrancou tudo: infância, segurança, confiança, paz. São pessoas que um dia foram feridas, de formas tão profundas que o presente se tornou insuportável. E, quando a vida dói demais, qualquer alívio, mesmo que breve, se transforma em salvação.
Por fora, elas perdem tudo. A saúde, os amigos, o trabalho, a esperança. E ainda assim continuam presas àquilo que está destruindo suas vidas. Porque o vício não é falta de força de vontade, o vício é a tentativa desesperada de encontrar alguma paz. E, nesse contexto, a pergunta mais importante não é “por que o vício?”, mas “por que tanta dor?”
Essa dor não surge do nada. Ela vem da história que cada um carrega. Histórias de abandono, de abusos, de violência, de solidão. Histórias de gente que cresceu sendo ferida quando mais precisava de amor. Gente que aprendeu cedo que o mundo é um lugar perigoso, e que confiar machuca. Quando tudo o que deveria acolher fere, é natural querer escapar. O vício se torna um alívio. E é por isso que tantas pessoas se entregam a ele, não por prazer, mas por necessidade.
Mas o vício não escolhe só quem passou por traumas. Ele se esconde em lugares respeitáveis, com roupas elegantes e rotinas ocupadas. Pode estar naquele que trabalha tanto que esquece a própria família. Ou naquela que consome compulsivamente, comprando coisas que nunca vai usar, apenas para preencher um vazio. Pode estar em quem persegue o sucesso sem parar, sempre buscando mais reconhecimento, mais controle, mais poder.
O vazio é o mesmo, muda só a forma de preenchê-lo.
E esse buraco nasce da mesma raiz: a insegurança, o sentimento de não pertencer, de ser pequeno demais num mundo que exige grandeza.
Temos que entender que a verdadeira força não está fora, mas dentro.
E talvez essa seja a lição mais importante de todas: o que buscamos fora — alívio, força, segurança, valor — só pode ser encontrado dentro.
A mudança verdadeira começa quando cada um de nós encontra sua própria luz. Quando deixamos de fugir e decidimos olhar para dentro. Quando entendemos que não precisamos ser maiores — só mais inteiros. E que já temos, em nós mesmos, a força que procuramos em tantos lugares.
A natureza humana não é egoísta, nem cruel, nem gananciosa — como tentam nos fazer acreditar. No fundo, somos feitos para a cooperação, para a generosidade, para o cuidado. Somos mais fortes quando estamos juntos. Quando partilhamos dores, histórias, ideias. Quando reconhecemos que todos temos fantasmas, mas também temos luz.
E quando encontramos essa luz, somos mais gentis conosco. E também com os outros. E com o mundo.
Se encontrarmos essa luz interior, seremos mais gentis conosco e também com o mundo ao nosso redor.
A cura do vício e do sofrimento começa quando paramos de fugir de nós mesmos e reconhecemos que já temos, dentro de nós, o que estávamos buscando do lado de fora.
fonte: The Power of Addiction and The Addiction of Power: Gabor Maté
